Qualquer coisa!

Corria mais que imaginava ser humanamente possível. À direita o muro mais alto que já vira, à esquerda o perfume mais doce. O contraste era perturbadoramente maravilhoso, enchia meus sentidos com certezas que despertavam a curiosidade de ser incerto. Cada falha no cimento me remetia à imagem de uma pétala que exalava o perfume. Na verdade, os olhos não alcançavam as flores. Mas meu olfato apalpava cada fibra e percebia cada vibração que formava as diversas cores cintilantes. O pólem enchia meus ouvidos e o cimento meus pulmões, numa sintonia que cantarolava o ninar de minha mãe.

Embalado por essa sinfonia misteriosa, corria. O tempo parecia não existir apesar de ser o propulsor das minhas pernas. Não as sentia. Me vi na beira de um precipício gramado, o muro continuava e o perfume se intensificava. As pernas, estáticas. Precisava continuar. O único caminho aparente era um arbusto de espinhos.

Cordas aveludadas de cetim emaranhadas entre si emanavam espinhos de luz e fluíam como ondas, suaves e arrebatadoras, atravessando o abismo do oculto com graça. Era tentadoramente deliciosa a ideia de surfar em sua crista, mas o perigo era iminente. Eu temia. Temia me apegar demais àquela dualidade encantadora. Cedi.

No primeiro passo já consegui sentir o êxtase do fogo que ardia e aliviava ao mesmo tempo. Seu fogo era mais quente que mil sóis e purificava o ar enquanto queimava. Uma brisa fresca também brigava por espaço, incitando as chamas e curando as queimaduras.

Tudo apagou. Acordei.